Mas restou a saudade…

Seria idiotamente falso dizer que é a única coisa que sinto hoje. Mas de longe é o sentimento que mais dói, pela tristeza, nem tanto pela intensidade[se é que isso faz algum sentido].

Sinto muita, muita, muita falta do meu tio. Me bateu uma saudade gigantesca dele, dos estranhíssimos sucos de vinagre que fazia, das coleções de material pra pesca e pintura nunca usados, de seus violões nunca tocados – inclusive um eu emprestei pra um amigo que nunca mais me devolveu.

O tempo plays tricks on me eu não tenho a menor noção dele, nunca. Não seu quanto tempo tem que ele faleceu, exatamente. Só sei que tem muito tempo. Mais de cinco anos com certeza. Sei que estava na faculdade, mas o período…  acho que era o 1º.
Faculdade foi, pra ele, um motivo de alegria. Ele fizera Direito e ainda compartilhou comigo coisas da sua época, mega obsoletas mas de uma organização super característica; ele fazia os resumos das matérias e encadernava. E até aquele dia, tinha guardado, esperando um momento em que se fizesse necessário o seu uso.
Minha prima o chamava de “Tio Fofinho”, sempre barrigudo, era para nós, ainda pequenas, destino certo pras cabeças rencostarem ao ver televisão. Ele gostava de televisão. E de atrapalhar quem a via, porque queria conversar no meio da matéria sobre o massacre de sei lá aonde, por exemplo. Ele gostava de falar!
Meu tio era desses caras que se interessavam por tudo e por todos. Nunca analisei se isso foi influência da minha avó, afinal, ele havia casado com ela*, uma pessoa de certa forma proeminente, com respeito adquirido pelas atitudes e conhecida por muitas pessoas. Só sei que ele era do tipo, bacanão. A rua me conhecia, porque eu era sobrinha dele, que falava com todo mundo. E não era de falar, ele se interessava, se aprofundava naquilo, ajudava até onde podia. E minha avó se chateava  às vezes porque se atrasava para  terminar o almoço, que dependia dele voltar da rua com as compras feitas, hehehe!

Ele se interessava por coisas também. Lembro-me do meu constrangimento ao vê-lo lendo minha Capricho – e eu nem lia tanto, mas estava lá naquele dia – de capa a capa; das horas assistindo Animal Planet, dos livros de pintura, das coleções de moedas, de canetas tinteiro, do Saxofone que ele mantinha guardado com cuidado, apesar de não tocá-lo mais.
Meu tio me criou o “péssimo” hábito de provar as comidas da minha avó na panela, ainda no preparo, e saber lidar com a língua super queimada depois; me ensinou, numa de suas neuroses, que é importante dormir de porta fechada “porque se ocorrer um incêndio, a porta afasta por alguns momento o fogo, que pode te dar chance de escapar” e até hoje eu só sei dormir de porta fechada.

Meu tio quem pagou meu 2º furo das orelhas. Mesmo sem saber.
E quem me mostrou uma miniatura de cobre o Empire State Building, me explicando que já fora o maior prédio do mundo.
Com ele também, vi as primeiras matérias sobre o desastre com as Torres Gêmeas.
Víamos filmes juntos. E conheci a Rádio MEC com ele, apesar da minha formação clássica, coisa que ele mesmo não teve.
Ele era do tipo qe não tinha muito medo de modernidade. Antes do computador, ele tinha uma máquina de escrever elétrica – que eu nunca usei e minha avó ainda tem – e com a chegada do 386 por lá, mesmo estando mais do que obsoleto, ele usava, fuçava e tinha as manhas dele.

Meu tio tinha um defeito; ele era teimoso. Na teimosia nunca revelou que era doente do coração,  e quando descobriu-se parecia tarde demais. E depois de pouco tempo, viu-se que fora tarde.

Eu, até aquele momento, não lidava com a morte tão de perto. Mas naquele dia, antes de saber o que havia ocorrido, eu já sabia, eu já sentia. E digo que nesses 26 anos de vida não tive sofrimento pior.
Meu tio era O cara que me levaria ao altar no dia do meu casamento. Ele era A figura masculina que tinha, numa família segregada, recheada de mulheres divorciadas e pais separados.
Eu não tive aquilo de se despedir, não consegui, não conseguirei nunca esse tipo de ritual. Daquele dia, uma das pessoas mais importantes da minha vida se foi.
E se foi também, talvez, planos de uma outra vida. Porque dali em diante, a dinâmica da minha  mudou. Não digo pra pior ou pra melhor.

E na verdade, não me importa. Quem sou hoje, como estou hoje, é exatamente onde, aparentemente, deveria estar, considerando tudo que fiz, não fiz ou deveria fazer. Não posso, hoje, viver das possibilidades de uma possibilidade que não existe mais.

E dentre tantas outras tristezas que sinto hoje, por tantos motivos, essa é a que mais dói. Minhas frustrações não envolvem nem de longe, o sentimento de amor, de cumplicidade que tinha com ele.

Restam coisas mais absurdas, as risadas, as implicâncias, as broncas que levei, as irritações, os cochilos, os pães fresquinhos com mortadela, as plantinhas dele que eu regava, cuidada, conversava e me emplolgava ao ver seu crescimento,  a insistência para que eu aprendesse letras em grego, a minha primeira passagem por uma passarela de ferro  alta e medonha.
Resta apenas… Saudades. Que eu aprendi que existirão quer queira, quer não.
A dor que sinto e as lágrimas que não consigo evitar, fazem parte. E passarão; porque o bom da saudade, é lembrar de como  vida foi até ali. E o quanto foi bom.


*meu tio era sim casado com minha avó mas NÃO ERA FILHO DELA!!! Longa história que cá não cabe.

Quando eu crescer…

Quando eu crescer…

eu quero ser forte.
eu quero ser inteligente.
eu quero ter passado por tudo na vida de cabeça erguida.
eu quero gostar do Canal Justiça.
eu quero ter filhos e netos.
eu quero continuar não gostando de comer comida.
eu quero comer doces escondidos.
eu quero ter um organismo forte e lutar contra todas as doenças até não ter mais força.
eu quero me indignar com a injustiça e lutar pela moralidade.
eu quero olhar pra trás e ter orgulho de tudo que foi conquistado.
eu quero ser independente e viver a minha vida como eu desejar.
eu quero trabalhar e manter minha cabeça ocupada.
eu quero ter humor.
eu quero ter fé. Mas a fé que poucos hoje ainda têm.
eu quero ser educada e polida, mas sempre agradável.
eu quero saber meu lugar no mundo e na sociedade.
eu quero ser feliz, apesar de tudo.
eu quero poder ajudar a quem for, com bondade no coração.
eu quero ficar teimosa, mais do que já sou.
eu quero ser admirada.
eu quero ser querida e amada.
eu quero ser convidada, ao invés de pedir.
eu quero ser exemplo.
eu quero ter esperanças.
eu quero saber que tudo pode ser feito, desde que tenha isso no coração.
eu quero ser bajulada e odiar ser bajulada.
eu quero ser simples.
eu quero ser humilde e metida ao mesmo tempo.

Hoje eu tirei uma hora pra conversar com ela. Não foi planejado nem programado.
Mas foi umas das melhores horas que tive em tempos. Não por ser quem é, por ser família, mas por ser um ser humano digno de admiração, respeito e amor.
Conheço poucas pessoas, ou talvez nem isso: é a pessoa a se copiar, a se espelhar. Minha avó é um exemplo de tudo que eu quero pra mim, de hoje até o resto dos meus dias.
Me orgulho de ser neta dela, de ser um ser com algumas características parecidas com ela, de ter o mesmo humor, de gostar de televisão, de adorar comer uma pizza ou um hamburger, de dormir tarde e dormir mal.

Quando crescer eu quero ser igual à minha avó.

Deixa eu voltar, tio!

Ex-alunoÉ difícil descrever a imensa e infinita saudade que sinto desse tempo.

Não do colégio em si, da falta de professores, das greves, das pessoas mais malucas que já conheci. Sinto muitas saudades disso também. Mas sinto mais é da época. Dos meus 14, 15, 16, 17 anos.

Anos que demoraram pra passar, mas que hoje eu faria questão de voltar atrás.

Faria questão de levar todos os esporros que levei por falar demais. De sentir o desespero ao olhar pra prova de física. De matar aula escondida no banheiro.

Engraçado é que nessa fase o que a gente mais quer é ser adulto, independente. Dono do próprio nariz. Só não conseguimos perceber que já somos. Somos a partir do momento que revolvemos colar na prova, ou matar aula. Escolher uma faculdade. Uma profissão.

Eu mesma não pensava nisso. Achava minha vida uma bosta, odiava o colégio, matava aula pacas, odiava cada minuto sentada na sala de aula. Uniforme? Era nojento, calça azul marinho e uma blusa de botão… ainda tinha que usar o emblema. Odiava.

Acordava cedo. Pra ir pra explicadora, porque eu realmente odiava matemática e física. E perdia o ponto de soltar. Mas não pagava passagem e não tava nem aí.

Matava explicadora e ia ao cinema, ver filme a 2 reais.

Matava aula e ia pro shopping pedir dinheiro pra “formatura”, pra poder beber no barzinho.

Só não fui parar em cachoeira, como alguns amigos malucos que tive.

Me apaixonei perdidamente por figurinhas populares. E como toda paixão, passou logo. Até porque minha covardia não me deixava nem chegar perto. Tive meus rolinhos. Mas nada que fosse de avassalar meu coração. Tive outros rolinhos. Que me assombram até hoje. Mas viraram fantasmas.

Odiava 70% dos professores. Eram chatos e autoritários. E nem eram. Eram professores. E eu era rebelde. Minha mãe foi chamada duas vezes ao colégio, em épocas e unidades diferentes pra perguntarem a mesma coisa: “ela tem tendência suicida? é deprimida?” hahahahaha, previram o futuro, né??

Os professores eram os mais malucos. Quarentões dando em cima de meninas de 15 anos. Velhotes gays e nada enrustidos, professores que se declaravam pras meninas na frente dos coordenadores, como se fosse algo normal. Alguns não gostavam, de dar aula e simplesmente sumiam. Outros tocavam o terror… e tinham as oferecidas. E os sensíveis (que só poderia ser de filosofia…).

Eu, particularmente não respeitava quase nenhum. Só os que conseguiam prender minha atenção. E muita gente não respeitava também. Matar aula não era peripécia só minha, mas as vezes de uma turma inteira. E eu não coloquei dedo na cara de nenhum deles, como uns e outros fizeram. Mas não os suportava. Tratava com desrespeito, desdém. E tenho muita vergonha disso. Mas era adolescente rebelde e não podia evitar isso.

Depois disso parei num pré-vestibular. E continuei não querendo muita coisa com a hora do Brasil, principalmente depois que fui impedida de fazer Letras. Chutei o balde. Mas gostava da sala, mais do que a do colégio. Gostava tanto que no ano seguinte fiz pré no mesmo cursinho. Mas comecei a trabalhar e chutei o balde de novo.

No final das contas, estava escrito nas estrelas que eu fosse parar onde parei, que eu fosse estudar Direito, como sempre desdenhei. E foram 5 anos especiais. De fases de farra, fases de crise, de matar aula, de odiar professor, de amar professor, de se sentir um outcast, de descobrir amigos de verdade, amigos pro resto da vida.

Foi época de chegar de ressaca nas aulas de sexta. E às vezes nas de segunda. De fazer muita doideira, de ir pra lugares que não tinha como voltar.

Coloquei a cabeça no lugar. As duvidas continuavam, certezas foram surgindo. E o tempo foi passando. Passando…. Passando…

E chegou a famigerada monografia. Junto com milhões de outros problemas pessoais. Mas apesar das adversidades, da má vontade de alguns, da insegurança e do medo, eu consegui. E terminei a faculdade com 10 “com louvor” na monografia.

E agora que a vida deveria estar começando é quando mais tenho dúvidas sobre meu futuro. Não sei, literalmente, o que será de mim amanhã. Não sei onde estarei daqui a um mês. Não sei o que farei da minha vida.

E a incerteza é que mata. Estou igual vaca de presépio sem saber pra onde ir. Me colocam num lado, e logo depois no outro. E eu não sei pra onde vou.

E agora, formada, não sou ninguém. E poucas pessoas entendem isso. Talvez só quem está ou passou pela mesma situação que eu. Não ser ninguém. Minha estrada tá longe de acabar, mas o começo dela ainda não achei.

E apesar de, com muito orgulho ter conseguido o que uma minoria da população brasileira alcança, preferiria voltar aos meus tempos de colégio. Minha imaturidade era justificável, minhas dúvidas seriam fatalmente solucionadas pelo tempo e responsabilidade não existia. Agora todos esperam algo de mim, sendo que eu não sei o que esperar de mim e dos outros.

Nunca achei que pudesse querer tanto voltar pros momentos que quis tanto sair. Porque ficar no status que estou agora não desejo pra ninguém.

Resolver minha vida é o lema do momento. Só não sei por onde começar, e quem deveria cooperar só atrapalha…

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Now playing: Frank Sinatra – My Funny Valentine
via FoxyTunes

Saudades

Saudades de ontem.
Saudades do colégio.
Saudades da piscina.
Saudades do medo de palhaço.
Saudades do medo de escuro.
Saudades do violino.
Saudades das aulas de flauta.
Saudades do morcego na cortina.
saudades do tempo integral.
Saudades do lanche do colégio.
Saudades do esqueleto do laboratório.
Saudades dos apelidos.
Saudades dos choros por causa dos apelidos.
Saudades das freiras.
Saudades de limpar o chão.
Saudades do arroz “parabolizado”.
Saudades do chão do metrô.
Saudades do queijo quente da cantina.
Saudades do ping-pong no final das aulas.
Saudades do vôlei antes das aulas começarem.
Saudades das chuvas no colégio.
Saudades do colégio novo.
Saudades do colégio, hoje antigo.
Saudades da saia abaixo do joelho.
Saudades do Hino Nacional e do colégio toda sexta.
Saudades de levantar quando o professor entrava e saía.
Saudades do tiroteio em plena tarde.
Saudades das aulas de Francês.
Saudades das piadas que só hoje eu consigo entender.
Saudades da apresentação de fim de ano.
Saudades das poucas visitas do meu pai.
Saudades dos amores que vieram.
Saudades dos amores não correspondidos.
Saudades dos que amavam outras.
Saudades dos amores que foram.
Saudades dos amores que talvez nunca venham.
Saudades dos ônibus lotados.
Saudades do uniforme.
Saudades de Espanha e Portugal.
Saudades da formatura que não fui.
Saudades do pré-vestibular.
Saudades dos amigos.
Saudades do churrasco.
Saudades das besteiras.
Saudades das “encobertas”
Saudades de Malhação.
Saudades do vestibular.
Saudades de Coro Infantil.
Saudades da primeira entrevista.
Saudades do primeiro emprego.
Saudades do primeiro esporro.
Saudades da primeira chefe.
Saudades da primeira aula da faculdade.
Saudades dos apelidos.
Saudades das tardes livres.
Saudades do meu tio.
Saudades do meu chefe velho.
Saudades da enrolação no estágio.
Saudades das férias.

Saudades do que tive.
Saudades do que quis ter.
Saudades do que tomaram de mim.
Saudades que eu quisera viver.
Saudades de saudades.
Saudades de ontem, que nunca volta.
Saudades de hoje, que sempre vem.
Saudades de amanhã, que é sempre agora.