Alguns anos se passaram pra que eu pudesse ver algo de bom na velhice. Não que ganhar rugas, ficar fraca, baixar imunidade, visitar médicos com muito mais regularidade, ter memória enfraquecida e tantas outras coisas sejam verdadeiramente boas. Aliás, nunca vi nada de bom em envelhecer.
De uma hora pra outra ‘percebi’ que estou envelhecendo. Não falo de anos que passaram, mas da minha memória, que nunca foi muito boa e anda cada vez pior; falo da mega dificuldade em emagrecer fazendo as mesmas coisas que antigamente me garantiam resultados mais rápidos. Também não digo velhice quanto à idade mental ou coisa do tipo. Isso é questão de retardo, no melhor sentido da palavra.
E não, não sou velha. Mas a velhice chega. E quando chega, não tem como não perceber. Vejo nos olhos da minha avó, nas reações da minha mãe. O que é na aparência um incômodo, é na verdade a beleza de se viver e acolher dentro de si mesmo, tantos anos, tantas coisas ruins e boas e se tornar um ser humano admirável. Ou não. Mas não falo destes. Estes não admiráveis não aproveitaram seus anos pra fazerem algo de bom a ninguém além da própria sombra. E ser assim não quero. E nem quero ser presidente de nada ou alguém. Não quero ser modelo pra criança alguma. Quero só ter a certeza de que os anos passaram e eu os aproveitei pra colher todas as rugas, todos os fios de cabelo branco – precoces ou não – todos os não, todos os sim, todas as aprovações e reprovações.
A morte é certa, e lidar com ela é de um exercício pior que muitos dias de educação física no colégio. Mas a cada dia vejo a inevitabilidade de olhá-la nos olhos, enfrentar com a coragem que nos é devida. Sei que ela vem na hora certa. Não necessariamente na idade certa, mas com essa velhice que adquiro a cada segundo compreendo que cada um vive o tanto que lhe é permitido viver. Não retiro daqui qualquer possibilidade de “mudança de rota”, so que vivemos o que queremos. E somos o que vivemos.
E estou feliz. Porque percebi a beleza da dor nas costas; porque vista cansada é conseqüência de ótimos hábitos; porque falta de ar numa corrida de 500 metros pode ser um sinal pra parar ou mesmo pra começar a pensar em fazer caminhadas diárias.
À velhice toda reverência que merece. Toda atenção um dia dispersada; todos os meus dias por vir e os dias que foram: que eles formem de mim uma velha ‘caquética’, se preciso, mas com respeito à vida, aos momentos, às experiências vividas e as frustradas. Que eu olhe pra trás e curta as minúcias dos segundos que um dia me concederam cada cabelo branco, cada espinha de estresse, cada ruga ao redor dos olhos.
À velhice, tudo que hoje sou, pra amanhã ser isso tudo e mais um pouco. Todos os anos e muitos outros.